RIO DE JANEIRO – A megaoperação policial no Rio de Janeiro, que mobilizou 2,5 mil agentes das forças de segurança do estado, que resultou na morte de 121 pessoas, incluindo quatro policiais e apreendeu mais de cem fuzis foram, além de 81 indivíduos presos apontam para uma das maiores facções criminosas do país, o Comando Vermelho (CV).
A ascensão e expansão
Nos últimos anos, o CV tem demonstrado um notável avanço em seus domínios no estado do Rio de Janeiro. Segundo o Mapa dos Grupos Armados (parceria entre o Instituto Fogo Cruzado, o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos — GENI — e a Universidade Federal Fluminense — UFF), a facção foi a única organização criminosa a ampliar seu controle territorial, enquanto outras facções perderam espaço.
Entre 2022 e 2023, o CV registrou um aumento de 8,4% nas áreas sob sua influência, retomando a liderança que havia sido perdida para as milícias em períodos anteriores. Atualmente, a organização responde por 51,9% das áreas dominadas por grupos armados na Região Metropolitana do Rio.
A criação do Comando Vermelho “no coração do Estado”
A história do Comando Vermelho remonta aos anos 1970, quando presos políticos e detentos de crimes comuns conviveram no Instituto Penal Cândido Mendes, em Ilha Grande. William da Silva Lima, conhecido como Professor e um dos fundadores, narra em seu livro “400 x 1 – uma história do Comando Vermelho” que o grupo surgiu para organizar o ambiente carcerário e estabelecer regras de convivência.
Conforme reportagem da BBC Brasil, a socióloga Carolina Grillo, da UFF, explica que o Comando Vermelho “nasce no interior dos presídios, no coração do Estado”. A facção, inicialmente chamada de Falange da Segurança Nacional e depois Falange Vermelha, foi posteriormente nomeada pela imprensa. Jacqueline Muniz, do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos, complementa que a convivência entre presos políticos e assaltantes de banco (considerados crimes de segurança nacional) foi um fator-chave.
Com a Lei da Anistia em 1979, os presos políticos foram soltos, e os membros da Falange Vermelha se reorganizaram. Na década de 1980, após fugas em massa, o grupo investiu no tráfico de cocaína, aproveitando a transformação do Brasil em entreposto nas rotas internacionais da droga. Para proteger as mercadorias, o CV armou-se, o que gerou uma demanda por armamento também na polícia, segundo Grillo.
A tentativa governamental de enfraquecer o Comando Vermelho nos anos 1990, transferindo líderes para diferentes penitenciárias, surtiu efeito contrário: o CV expandiu seus ideais e fortaleceu-se como a principal organização criminosa do Rio.
Expansão e modernização do crime
A partir de então, o Comando Vermelho extrapolou as fronteiras fluminenses. Segundo o jornalista Rafael Soares, autor do livro “Milicianos”, o CV opera como um sistema de franquias, o que permitiu seu crescimento nacionalmente. Nos últimos seis anos, a facção marcou presença em 25 estados, antes limitada a apenas dez.
A “nacionalização” de organizações como o CV e o PCC (Primeiro Comando da Capital) foi impulsionada pela transferência de lideranças para presídios federais em outros estados, conforme critica Carolina Grillo.
A expansão do Comando Vermelho exigiu novos investimentos. O tráfico de drogas permanece central, especialmente com o domínio de áreas de fronteira como a Amazônia. No entanto, o lucro já não provém apenas da droga. Estudos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que, em 2022, o crime organizado movimentou cerca de R$ 146,8 bilhões em mercados ilegais de ouro, combustíveis, bebidas e tabaco.
A forma de abastecimento de armamento também mudou. Se antes o armamento vinha do Paraguai ou de desvios das forças de segurança, hoje o crime organizado investe na produção própria. Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, destaca a existência de fábricas com equipamentos de última geração, como impressoras 3D que produzem peças em larga escala. Em agosto, a Polícia Federal encontrou uma fábrica clandestina em Rio das Pedras, no Rio.
A tecnologia também se manifesta no uso de drones com explosivos, como demonstrado pelo CV em confrontos recentes. Langeani aponta que a flexibilização das regras de controle de armas, ocorrida durante o governo Jair Bolsonaro, incentivou a criação de fábricas de peças, facilitando a montagem de armas ilegais.
A ineficácia das operações
Dados mostram que as operações policiais mais custosas e violentas no estado não têm atingido os resultados esperados. Enquanto o Comando Vermelho avança sobre o território fluminense, é justamente em suas áreas de domínio que a polícia mais atua, e onde os confrontos mais se multiplicam.
Segundo o Mapa dos Grupos Armados, a chance de um território dominado pelo tráfico registrar confrontos é 3,71 vezes maior do que em áreas controladas por milícias. Em quase 60% das áreas com confrontos, há participação policial.
Terine Husek, gerente de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado, ressalta que não há um retrocesso visível das áreas ocupadas pelo crime para o controle do Estado. “O que temos visto é eles dominando um pouquinho mais de espaço, ou disputando entre eles, mas o governo conseguindo dizer: ‘Aqui não era seguro, voltou a ser’, isso não acontece. A gente só vê essa piora e essa troca de comando mesmo — o Estado não consegue retomar o controle de áreas dominadas há décadas”, conclui.





