Dizem que o Brasil não é para amadores. Mas o Congresso brasileiro, esse sim, é para ilusionistas. Uns Houdinis¹ de gravata, capazes de fazer desaparecer da frente dos olhos da Justiça não coelhos, mas réus. Um número de mágica digno de Las Vegas — com a diferença de que, aqui, o público paga a conta e aplaude sem saber se foi o mágico ou o batedor de carteira que brilhou mais.
A última cartada dos nossos prestidigitadores de Brasília atende pelo nome pomposo de “suspensão de ação penal”, mas podia muito bem se chamar “Plano Nacional de Passar Pano – Edição Bolsonaro Deluxe”. O truque é conhecido: primeiro se bate continência para a democracia, depois se coloca a Constituição no bolso traseiro, junto com o lenço vermelho usado para distrair a plateia. Ato contínuo, abre-se a CPI, mas com a leveza de quem abre uma lata de sardinha: só pra dizer que abriu.
A tentativa é clara, embora cheia de discursos nebulosos: absolver o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua trupe da responsabilidade por aquela festinha nada democrática de 8 de janeiro — lembram? Aquela em que os patriotas invadiram os Três Poderes como se estivessem brincando de “Capture a Bandeira”, só que com suvenir e depredação incluídos. Uma espécie de Carnaval cívico sem música, mas com muito estrago.
Agora, os nobres deputados — muitos dos quais se fingiram de estátua naquele domingo de horrores — resolveram que não é legal julgar o parlamentar, no caso o deputado Alexandre Ramagem, por crimes cometidos após a diplomação. A questão é que no bojo incluíram todos, mesmo não sendo parlamentares, como o ex-presidente Bolsonaro que, coitado, não sabia de nada. Estava nos Estados Unidos, provavelmente tentando descobrir onde ficava o botão de desfazer golpe.
Mas o Congresso, essa usina de criatividade, nos surpreende sempre. O discurso muda, mas o enredo é o mesmo: o importante é manter os aliados fora da cadeia e o espírito de corpo firme, mesmo que o corpo esteja em decomposição ética. O golpe? Só se for na cara do eleitor.
O mais curioso é que tudo se faz em nome da pacificação nacional. Porque, como se sabe, a melhor forma de unir o país é fingir que nada aconteceu. Não importa se houve tentativa de ruptura democrática, incitação às Forças Armadas ou vídeos convocando “o povo de bem” para tomar Brasília — afinal, quem nunca compartilhou um tutorial de golpe no WhatsApp, não é mesmo?
E nós? Seguimos entre o riso e o desespero, torcendo para que, na próxima eleição, ao menos o mágico não nos peça de novo pra escolher entre o coelho e o ilusionista. Porque, no fim das contas, o truque já cansou. A gente quer saber onde foi parar o fundo falso onde enfiaram a responsabilidade — e se ainda dá tempo de achar o manual de instruções da democracia.
¹ Harry Houdini, nome artístico de Ehrich Weisz, foi um dos mais famosos escapologistas e ilusionistas da história.