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Manifestação ou Carnaval fora de época?

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Por Macedo Prado

Ah, a sempre fascinante dança dos acontecimentos nacionais nos brinda, mais uma vez, com um espetáculo que faria corar os mais otimistas arautos da razão. A manifestação orquestrada pelo ex-inquilino do Palácio do Planalto, esse personagem que insiste em permanecer no proscênio da vida pública como uma velha ópera que teima em não sair de cartaz, ocupou, segundo as manchetes matutinas – essas mesmas que outrora noticiavam seus feitos com um entusiasmo hoje mitigado pela inexorável passagem do tempo – as areias de Copacabana. Uma pantomima patriótica, diga-se de passagem, onde a retórica inflamada buscava, talvez, ofuscar as investigações que pairam sobre o outrora mandatário, como abutres famintos sobre uma carcaça. Se a história se repete como farsa, ontem ela resolveu caprichar no figurino, oferecendo-nos um carnaval fora de época, com foliões saudosos de um reino que, sob uma análise mais detida, revela-se um mero castelo de areia.

Observamos, pois, a reunião de almas saudosas de um tempo que talvez nunca tenha existido da forma como a memória se esforça em pintar. Uma aglomeração onde o fervor, por vezes confundido com lucidez, buscava, quem sabe, reacender a chama de um projeto político que, aos olhos de muitos, já se transformou em uma pira fumegante de retórica vazia. O evento, vendido com a pompa de uma “demonstração de força”, assemelhava-se mais a uma peregrinação de devotos a um bezerro de ouro, repetindo mantras e loas a um líder que, com sua habitual eloquência de quem troca acusações levianas em vez de argumentos sólidos, vociferava impropérios contra seus detratores. Curioso notar como figuras outrora proeminentes, agora relegadas a um papel secundário na partitura da nação, agarram-se a esses eventos como náufragos a tábuas de salvação em um mar de esquecimento, ecoando o grito de “mito” – palavra que, aliás, cabe bem, já que mitos são histórias contadas para quem não se dá ao trabalho de conferir os fatos.

A retórica proferida, essa colcha de retalhos de argumentos já desgastados e acusações sem o verniz da novidade, ecoou pelos calçadões, misturando-se ao murmúrio das ondas e ao incessante tráfego da orla. Promessas não cumpridas transformadas em bravatas, críticas àqueles que agora conduzem a nau estatal – como se o timoneiro anterior não tivesse legado um leme consideravelmente avariado – e a eterna cantilena da perseguição, essa ficção bem ensaiada que, a despeito da repetição, ainda encontra ouvidos dispostos a acreditar. O ex-presidente, mestre na arte da vitimização performática, apresenta-se como um mártir, ignorando convenientemente o período em que desfrutou do cetro e do mando. Seria comovente, não fosse a cristalina demonstração de que a realidade não melhora porque você se ilude mais bonito.

E enquanto os devotos brandiam seus estandartes e entoavam seus cânticos de louvor a um passado idealizado, pairava no ar aquela velha conhecida sensação de déjà vu, a incômoda percepção de que estamos, mais uma vez, assistindo à mesma peça, com os mesmos atores e o mesmo enredo previsível. A manifestação, essa aula prática de revisionismo histórico ao ar livre, reescrevia o passado recente com a desenvoltura de um amador rabiscando sobre uma tela renascentista. Dizer que aquilo foi uma genuína manifestação democrática é como elogiar o incêndio porque ele aquece o ambiente: não era um protesto, mas um comício disfarçado, um palco para o artista do oportunismo exibir sua mais recente pantomima. A política nacional, como já tive a oportunidade de asseverar, é um teatro onde ninguém decorou o roteiro, mas todos querem o aplauso final.

A questão que se impõe, caros leitores, é se essa demonstração de força – cuja magnitude será, inevitavelmente, objeto de acalorados debates e estatísticas convenientemente manipuladas – representa um genuíno revigoramento de um movimento ou apenas o estertor de uma estrela que, embora ainda brilhe para alguns, já iniciou sua inexorável jornada rumo ao ocaso. A verdade, como sempre esquiva e raramente palatável, reside provavelmente em algum ponto intermediário, um lugar onde a paixão cega se encontra com a fria análise dos fatos. Mas, convenhamos, o problema da verdade é que ela não rende likes. E, em tempos de efemeridade digital, quem se importa com a verdade quando se pode ter a ilusão de uma vitória? Resta-nos, portanto, observar o desenrolar dessa tragicomédia, com a amarga constatação de que, por vezes, o Brasil ri da piada sem perceber que o protagonista, no fundo, é ele mesmo.

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