Antes que a crise de intoxicação por metanol se tornasse um alerta de saúde pública, com mortes e internações graves, um padrão de comportamento em bares e adegas na periferia de São Paulo e no ABC Paulista já indicava que o perigo era conhecido. Donos de estabelecimentos vinham alertando clientes mais próximos e idosos para que evitassem o consumo de certas bebidas vendidas em suas próprias prateleiras.
Segundo apuração do jornalista Luís Adorno, do UOL, os relatos, que surgem desde março, partem de frequentadores de bairros como Artur Alvim, São Miguel Paulista, Grajaú, além de Santo Amaro e da cidade de São Bernardo do Campo. A recomendação dos comerciantes era clara: não comprar cervejas mais baratas, geralmente em garrafas de 600 ml, e dar preferência a versões long neck, consideradas mais seguras.
Aos clientes, os proprietários justificavam o alerta afirmando que as adulterações eram fruto de “esquemas criminosos“, muitas vezes citando a atuação do crime organizado, uma hipótese que tem sido publicamente descartada pelo governo do estado de São Paulo.
Um dos casos emblemáticos ocorreu em 27 de março, no entorno da estação Artur Alvim do Metrô, ponto de concentração de torcedores do Corinthians. Uma advogada relatou que, após consumir uma cerveja de 600 ml de uma marca conhecida, o dono do bar a aconselhou a não comprar mais daquele tipo de produto em seu próprio estabelecimento. A recomendação veio após ela e outros clientes relatarem ressacas desproporcionalmente intensas para a quantidade de álcool ingerida.
A responsabilidade de quem vende
As revelações levantam um debate crucial sobre a corresponsabilidade dos comerciantes na tragédia. Para analistas, ao comprar produtos de fornecedores não confiáveis, sem nota fiscal e por um preço muito abaixo do mercado, o dono do estabelecimento assume o risco de vender um item perigoso para aumentar sua margem de lucro.
Da ‘esperteza’ à delinquência grave
A prática de vender produtos “batizados” ou de origem duvidosa, antes vista por alguns como uma “esperteza” para sonegar impostos e obter maior lucro, escalou para uma delinquência de consequências gravíssimas. O que antes causava uma ressaca mais forte, agora cega e mata.
Nesse cenário, a alegação de desconhecimento perde força. O ato inicial de adquirir e vender um produto sabidamente irregular já configura um crime. Quando um proprietário ou funcionário alerta um cliente sobre o risco de um item que ele mesmo vende, ele não apenas confirma ter ciência do problema, mas expõe os demais consumidores a um perigo do qual tem pleno conhecimento.
A orientação de especialistas e dos próprios relatos é clara: um cliente que recebe tal “dica” em um estabelecimento deve, em primeiro lugar, denunciar o local às autoridades e, em segundo, nunca mais retornar.